2.9.07

O inicio de Sonia

Era dia 8 de fevereiro quando Anna Nicole Smith morreu. É fato que a caipira é pouco conhecida no Brasil logo, mesmo após sua morte, era difícil encontrar informações sobre essa texana, viúva de um bilionário do petróleo, sempre envolvida em escândalos. Foi quando dias após sua morte que jogo seu nome do Google e lá encontro um blog criado muito recentemente com o título de “o papel é pobre mas é limpinho”, sob o domínio de papelpobre.blogspot. A personagem do blog era “Sônia Abraham” mas era visivelmente claro que a dupla de cariocas “Daniel” e “Mariana” assinavam os posts. Posteriormente eles se identificariam como “Sônia Abraham #1” e “Sônia Abraham #2”.


De certo o título “Papel Pobre” é uma paródia ao blog “Papel Pop” do jornalista e editor do site da Revista Capricho, Phelipe Cruz. Contudo, a semelhança pára por aí: o conteúdo entre os dois blogs é gritante (numa entrevista, a futura persona do Papel Pobre chegaria mesmo a dizer que “ele [Phelipe] faz questão de ter conteúdo enquanto nós não”) e a linha seguida se aproxima muito mais do site Perez Hilton, que segue o estilo do tablóide inglês dedicado aos astros norte-americanos, com fotos que levam comentários e desenhos toscos feitos no Paint. Do Papel Pop a única paródia teria sido as fotos-novela que eram feitas no início.


Numa sociedade dedica ao culto à celebridade, vê-las mais humanas é deveras excitante – se existe algo de deliciosamente malicioso ao falar mal do colega de trabalho, o que dirá de celebridades que não possuem fundo artístico (e até mesmo aquelas que são excessivamente artísticas). Se Perez Hilton experimentava sua “subida social” na internet, Big Brother Brasil, Paris Hilton, Britney Spears e seu constante uso de drogas propiciaram um ótimo ambiente para que Sônia Abraham expandisse seu conteúdo e originasse uma nova personagem.

Katylene Beezmarcky, a travesty de Xerem

Seja quem estiver por trás do Papel Pobre, é impossível negar sua genialidade. Deixando de lado a persona “Sônia Abraham”, o blog passou a ser assinado por “Angela Bismarchi”. Não se sabe como (suspeita-se que Daniel e Mariana tenham um amigo jornalista) mas, três meses após sua criação – ainda com o estilo indefinido, um layout simples e posts pouco atualizados, o Papel Pobre foi noticiado na Folha de São Paulo.


Essa notícia, além de publicada na Folha, foi postada por Phelipe em seu site, onde nos comentários já se noticiava a existência do blog-paródia. Através da notícia da Folha ou da “brecha” de Phelipe novos rumos apontariam para Angela que, deixando o corpo da modelo esculpido pelo marido cirurgião-plástico, originou Katylene Beezmarcky, travesti nascida em Xerém, subúrbio do Rio de Janeiro, que tem como paixão escrever e freqüenta o curso de alfabetização para crianças portadoras de necessidades especiais.

Daniel e Mariana assumem definitivamente o alter-ego, adquirindo a charada misteriosa e o anonimato, herdando de “Sônia Abraham #1” e “Sônia Abraham #2” as máscaras de “Katy #1” e “Katy #2”. Nada melhor para a fantasia de travesti do que um pajubá afiado e divertidíssimo – língua banto-africana comum no candomblé que michês e travestis se apropriaram para comunicarem-se.



Abandonando os posts longos, Papel Pobre define seu humor com frases curtas e rápidas, sacadas geniais, muitas fotos e um aguçado senso de observação. Da festa do Oscar as premières de filmes, as principais fontes de informação são os sites estrangeiros. Katylene personifica uma (duas) pessoa culta, fluente no inglês, capaz de fazer referências multiculturais em um único post.



O blog vive um momento agradável de contracultura, underground ao já underground mundo dos blogs. Via-se, quando muito, apenas 20 pessoas comentando (futuramente ter-se-ia picos de 500 comentários em um único post) – os lugares-comuns tomam forma: Britney Spears vira Nonô, a vocalista do Black Eyed Peas, Fergie, é tomada pela alcunha de Fergalinha e é a (des)preferida de Katylene no quesito beleza, Paris Hilton e sua prisão, as padêzeiras: Amy Winehouse, Lindsay Lohan e a briga entre Kelly Clarkson e seu peso. Antes do momento “Umidificação do dia” posts são dedicados a Marc Jacobs e ao jogador de futebol David Beckham e a época do “Rehab is the new black”. Lu é a primeira subpersonagem, vendendo conhecimento através da Wikipedia e se passando por Barsa.





A partir de agora se tem o início da vertiginosa escalada do papelpobre.blogspot.com no gosto do internauta. Leitores do Papel Pop e do Pobre começam a disputar entre si opiniões sobre qual blog é o melhor e qual blog noticiou tal fato primeiro. Katylene assume definitivamente a figura que povoa o imaginário dos leitores do blog.

A nova onda mortal

O humor de Katylene certamente agrada aos leitores e seu blog começar a alçar cifras maiores: os comentários aumentam de forma visivelmente significativa e as atualizações diárias mantêm a fidelidade do internauta ávido por diversão. Quadros são fixados como, por exemplo, “Umidificação do dia”, “Vomitadinha do dia”, “Momento Ego” (dando agora espaço às celebridades nacionais, antes preteridas pelas internacionais) e expressões como “chique ou cheque?” e “losho ou lesho?”.

Contudo, o grande salto se deu por uma façanha jornalística categórica: em primeira mão Katy noticia um print-screen onde o ex-BBB DanDan se masturba para a travesti Renata Finsk. Mesmo o referido post ter sido apagado posteriormente, repercussões foram causadas: Renata Finsk e DanDan soltaram uma nota oficial desmentindo o fato, que foi noticiado pelo site do provedor Terra que creditou devidamente sua fonte – não só uma vez como várias outras. Esse foi apenas o princípio do sucesso do Papel Pobre.

O que muito contribuiu também para o grande sucesso foi a indicação de Julia Petit, em seu blog – boa parte de fãs fiéis vieram por sugestão de outros blogs. O chat-line nos comentários fazia com que o botão F5 se destacasse no teclado e que a comunicação entre Katy e seus leitores se tornasse mais dinâmica. Depois de “o papel é pobre mas é limpinho”, “papelpobre@gmail.com” e “feixa essa blog!” o título novo, “O único com katyguria” é inaugurado em grande estilo com um layout personalíssimo.








Katylene é entrevistada em vários sites, aparece no Mix Brasil, Érika Palomino, Kibe Loco e é citado por Evandro Santo, o personagem Christian Pior do programa Pânico na TV.










O site chega a reunir 300 pessoas on-line ao mesmo tempo, uma média superior a 100 mil visitas semanais e uma comunidade no Orkut que passou dos 1000 membros - é a paródia que superou o parodiado. É sabido que Phelipe é dono do domínio meunomeeregina.blogspot.com, sensação àlgum tempo atrás da internet. É sabido também que Phelipe comentava no Papel Pobre através deste blog – e houve também rumores que ele se dizia a pessoa por trás da máscara de Katylene.

Em um período aproximado de um mês o Papel Pobre era a nova onda mortal que abalara a internet, o assunto de todos e uma maneira singular de perceber o mundo, com o próprio vocabulário distinto. Por mais que esse clima de romance fosse bom tanto para os leitores como para os criadores de Katylene, essa história alguém não deveria agradar e toda essa rápida ascensão tomaria uma destino que ninguém poderia esperar.




"Katy, é você?" ou "A meia-verdade"

Rosana Hermann, considerada por alguns a ‘firestarter’ do rebuliço, chegou ao blog de Katylene Beezmarcky através da indicação de Julia Petit e, em seu próprio blog, indica o Papel Pobre que, na campanha do blog-a-blog, continua a se propagar e fazer cada vez mais sucesso na rede.





A identidade de Katy, entretanto, fez com que as pessoas ficassem curiosas para saber quem é mente genial por trás de toda a dose de humor sarcástico e cáustico que fascina. Muita especulação girou em torno dessa máscara que tinha a forma de um travesti nascido em Xerém. Nos comentários alguns anônimos evocam o nome de Mariana e Daniel, como se soasse uma ameaça ou um fantasma que retorna do passado.

O fiat lux original de toda a reviravolta que o Papel Pobre sofreria se deve ao fato de que, em entrevistas distintas, Katy teria dito em uma que é “uma dupla de gays” e “duas pessoas cariocas de sexos diferentes entre si” em outra. Rosana, intrigada pela antinomia do fato, lançou a dúvida: quem seriam?







Adriana Spaca respondeu a essa pergunta, ou melhor, metade dela. “Nenhum segredo é grande o suficiente para ser guardado eternamente na internet”, disse ela. E, realmente, o de Katylene não foi.


Daniel, umas das Katys reveladas, recebeu em seu Orkut uma mensagem de um amigo, “a Adriana Spaca te revelou”. Não só revelou a foto do rapaz como seu perfil na rede de relacionamentos. Daniel então colocou a mesma foto no Papel Pobre como “Vomitadinha do dia” sob a legenda que, com apenas três palavras, teria uma significância insuportavelmente absurda: Katy, é você?".


Realmente foi um vômito convulsivo e coletivo a revelação inesperada. Entretanto, antes de toda a reviravolta outro personagem entrou na história.

Ricardo-ando-meio-desligado e o seqüestro relâmpago

Os comentários de Ricardo podem ser acompanhados desde o princípio do blog. Participativo nos comentários, cunhou o termo “chat-line” e foi o criador da comunidade do Papel Pobre no Orkut.

Ele deve ter sido um dos primeiros a ver o post bombástico de Adriana Spaca – como ele mesmo disse, “queria ver a lenha na fogueira” – que tomou proporções de incêndios. Na comunidade ele citou o blog drispaca.blogspot.com que falava a verdadeira identidade de uma das pessoas que dava vida a Katylene Beezmarcky. Depois disso, como ele mesmo diz, “a tropa de choque de Katy no Orkut [possivelmente dois perfis que, se não pertencerem aos criadores do Papel Pobre, pertencem a pessoas muito próximas deles, Madame Gongadeira e Márcia G] fuçou a minha página do orkut e fez um post muito baixo. Tudo pra tentar desviar a atenção. Não conseguiram. O Orkut e a página viraram um rebuliço só por conta do Katygate. Quebra-quebra, chiadeira e muita comoção”.

Depois de Daniel se auto-revelar no Papel Pobre, continuou a publicar novamente (o próximo post depois do “Vomitadinha do dia” foi “De volta a nossa programação normal)”. Entretanto no dia seguinte, uma sexta-feira pela manhã, o Papel Pobre estava fora do ar, seu domínio tinha sido deletado repentinamente e Daniel cancelara seu perfil no Orkut. A desgraça de Adriana Spaca teria sido essa inesperada estratégia de Katylene Beezmarcky ao apagar o blog (no dia do blog!) que no último mês tinha causado furor na internet.

Ricardo, ao ver que o domínio estava em vacância, logo o registrou. No blog, manteve o layout “clássico” do Papel Pobre, publicou explicações ao leitor desavisado que encontrava o blog em desamparo e até uma música mais triste foi postada. Como ele mesmo disse, “estava gostando daquela história toda” – entretanto muita gente reclamou, chiou e ele mesmo sofreu muitas represálias. Colocou um Ad-Sense, anúncios que são lucrativos aos donos do blog e, então constatou que o blog realmente era rentável, “no início do seqüestro, a idéia era só garantir o domínio para que outro louco não pegasse mas depois foi ganância mesmo”.

Ricardo pensou em até mesmo continuar com o Papel Pobre para si mas desistiu da idéia:

“Katy educadamente pediu a senha do blog e eu falei que havia passado pra frente. Basicamente eu fiz uma ‘página não encontrada’ falsa. A desculpa não colou, até porque os poderosos (Katy, Madame e Márcia G) entenderam que eu manjo bastante de tecnologia.

Mas rolou uma idéia de uma Katylene impostora e continuar com o Papel Pobre. Criei e-mail e conta no blogger e um orkut. Eu tinha os posts antigos no histórico do meu navegador e com o AdSense eu iria faturar muito. Hoje (sábado) comecei a criar o novo Papel Pobre. Criei uns posts mas quando li os primeiros comentários desisti da idéia. Tremi na base. Mesmo apagando meu Orkut, sabiam meu nome e foto, eu não teria paz. Daí eu decidi apagar de verdade o blog e libertei o domínio”.

Sorte ou Revés?


Adriana Spaca certamente não contava com a etimologia de fã, do inglês fanatic. Como Rosana Hermann disse:

“É curiosa a relação do fã com o ídolo porque o ídolo está sempre certo. É como o herói, está acima do bem e do mal. O herói sempre age certo, na dor, na alegria, na retirada. A partir deste dogma, o público sai em busca de culpados. O fã revoltado, que sofre de forma genuína, precisa realizar sua catarse. Precisa matar alguém para aniquilar sua própria dor.”

E foi através da catarse que os fãs do Papel Pobre se valeram para reivindicar a volta do blog. A média de 1100 recados que Daniel recebeu para que o blog voltasse foi a mesma média de 1100 recados que Adriana Spaca recebeu sendo xingada e ameaçada, alvo de uma onda mortal de ódio. Denunciar uma das Katys certamente não foi uma decisão sábia mas, se esta esperava o reconhecimento do blog concorrente, ela alcançou seu objetivo.





Mas a Adriana precisava realmente de ter feito o que fez? Por que ela se referiria a Daniel como "uma bicha vagabunda"? Quando nós deixamos o Papel Pobre ou quando o Papel Pobre nós deixou e o mundo em geral, ainda existe uma pergunta que não será respondida aqui.


Fínnicio

A repercussão do cancelamento do Papel Pobre foi sentido em vários sites, que aclamavam pela volta da travesti de Xerém – mas, depois de revelada (metade) de sua identidade, teria o blog a mesma forma, dinâmica e identidade de antes? Houve até mesmo um “Katynunciamento”, que anunciava o fim. Fontes dizem que Katy voltará, fontes dizem também que Katy não voltará.




Seria o fim do blog que se tornou sensação da blogsphera ou apenas o início para aqueles que foram pioneiros de uma nova forma de humor que mobilizou boa parte dos internautas? Seria Daniel o filho de chanceler que fará o curso de Rita Weiner, estilista da grife Theodora?

São perguntas que nos restam a fazer com a desolação de não poder ter as respostas. Daniel esteve nesses últimos dias no olho de um furacão que varreu corações enfurecidos e vingativos. Será que teremos notícias em breve do rapaz? E onde se encontraria Mariana, a outra metade de Katylene Beezmarcky e que formas teria?

O legado do Papel Pobre é grande – algumas comunidades, açgumas tentativas prematuras, uma delas chamada “Plástico Rico” e vários leitores desesperados. Um dos legados é este, um blog feito para homenagear a história do que me fez rir por um semestre a fio.

Personagens que saem da vida de repente definitivamente deixam sua marca na história – Marilyn Monroe e Getúlio Vagas são apenas um dos exemplos. Causam furor e fúria, indignação, ódio e paixão, e por isso são geniais – dão e tiram da massa aquilo que todos nós necessitamos: passionalidade. Fenômenos na Internet causam sensações momentâneas e efêmeras, quase que passageiras; “Ruth Lemos” e “Fala, Sônia”, poderá alguém ainda lembrar-se delas? Contudo, nenhuma delas pode nos cativar tanto quanto a travesti de Xerém, Katylene Beezmarcky, que nos embalou em sua paixão por escrever e é aí que reside seu diferencial (e potencial).

Ricardo abandonou o domínio papelpobre.blogspot.com, que hoje pertence a uma “nova direção”, sob o nome de Márcia Uósmith – que antes de rapidamente trocar o nome chamava-se Andy. Esperemos o desdobrar desta história, pode ser tanto seu fim como seu início. E que esta pista ajude no novo jogo de detetive que se inicia: até quando poderá este segredo ser mantido?

Em tempo: "Márcia Uósmith" começou a postar no papelpobre.blogspot.com que, assim como o Ricardo, sofreu retaliações logo nos primeiros posts e abandonou a árdua e impossível tarefa de perpetuar o estilo de Katylene. Resta-nos agora ver até quando se desenlaça essa história e saber que fazemos parte dela.

So now, what?

Esta noite eu tive um sonho. Não era bem assim que eu queria começar – mas, de fato, eu tive um sonho. Sonhei que ia ao Rio de Janeiro, procurando pela menina sem rosto que ainda é a Mariana, “baixinha complexada”. Depois de procurar sem sucesso no Posto 10 – Copacabana, point das travas – me dirigi até Brasília, em busca do Daniel, príncipe rabiscado e colorido a agulhadas. De certo nossa capital federal é plana, cinza, monótona e encontra-lo lá seria como encontrar algo que se busca e não se sabe o que é.

Sempre admirei as buscas, sobretudo as pessoais: Alice, Dorothy, Maria. E foi no Papel Pobre que encontrei um pajubá tão eloqüente quanto o meu, um humor tão sintonizado quanto o meu e lembrei-me da época em que estive em Recife, cujas companhias eram... travestis amantes do rock. Como estudante de psicologia vejo que fazer as pessoas rirem é muito mais difícil do que faze-las chorarem e, como estudante de ciências sociais, é notória a força de mobilização que o blog aqui homenageado alcançou: um perfeito fenômeno psico-antropo-sociológico. Hoje estou procurando pelo Daniel e faço deste blog não só uma homenagem mas minha “yellow brick road” para que eu possa chegar até lá.